sitemap VIII Encontro de Linguística de Corpus
 
 
 

Efeitos de frequência no uso do infinitivo flexionado em português brasileiro


Fernanda Canever (USP- Mestrado em Linguística)


Contextualização

Considerado por Cunha & Cintra (1985: 499) como uma das mais controvertidas questões da língua portuguesa, o emprego das formas flexionada e não flexionada do infinitivo gera muitas dúvidas entre os falantes de português, sendo que até mesmo entre os gramáticos não há consenso quanto às formas mais adequadas.

Said Ali (1921) aponta que tanto a forma flexionada quanto a não-flexionada são aceitáveis, ficando a escolha a critério do falante: o infinitivo flexionado é empregado quando o intuito é colocar em evidência o agente da ação, enquanto ao cogitar somente a ação emprega-se o infinitivo não-flexionado. Nessa mesma linha, Bechara (2004) afirma que a flexão no infinitivo serve para ressaltar a pessoa do sujeito, enquanto o infinitivo sem flexão revela que nossa atenção está voltada para a ação verbal.

Quando olhamos para a língua em uso, ao que parece, a opção pela flexão tem sido numerosa em contextos em que a pessoa gramatical do infinitivo já está clara, como em:

1.Para isso, estávamos interessados também nas soluções encontradas por outros grupos de pesquisa no âmbito internacional, para vermos em que medida não seria interessante adotarmos normas já em uso por esses grupos. (Notado por Evani Viotti em 29 de Março de 2009)

2.Eu e meu primo viemos para São Paulo para podermos lançarmos nosso cd. (Notado pela autora em 31 de Maio de 2009)

Apesar das tentativas de descrição já realizadas (Maurer Jr 1951, 1968), o fato é que a questão do emprego do infinitivo flexionado continua em aberto.


Revisão de literatura

Langacker (1999) aponta que existem fenômenos psicológicos básicos e essenciais à linguagem, apesar de não específicos dela. Um deles seria a rotinização, também chamado de automatização ou de formação de hábito. De acordo com esse fenômeno, a ocorrência de eventos psicológicos deixa certas pistas que facilitam a recorrência dos mesmos. Em outras palavras, a repetição faz com que eventos se tornem rotinas mais facilmente realizadas.

Outro fenômeno psicológico mencionado por Langacker é o da abstração, através do qual somos capazes de generalizar estruturas de um conjunto de experiências similares. Um caso de abstração para o qual os linguistas dedicam especial atenção é o da esquematização, sendo o esquema o produto que emerge quando as diferenças são descartadas num retrato menos preciso das estruturas.

De acordo com a Teoria da Língua Baseada no Uso (Langacker 1999, Tomasello 2003), os princípios fundamentais da estrutura linguística são derivados da experiência com a língua. Sendo assim, a gramática não é vista como uma organização fixa, mas emergente do uso concreto das estruturas lingüísticas no cotidiano de uma comunidade de fala. Tanto a frequência de ocorrência de um elemento (token frequency) quando a frequência de um padrão (type frequency) afetam os esquemas construídos a partir da aplicação dos já apontados princípios cognitivos ao input linguístico. Desse modo, quanto mais frequente for um elemento, mais fortemente rotinizado no Léxico ele ficará. Esses dois tipos de frequência são, assim, cruciais na categorização, armazenamento e emergência de novos padrões de língua.

Objetivos do trabalho

Lançando mão desse modelo desenvolvido no âmbito da Linguística Cognitiva, este trabalho tem por objetivo investigar a frequência do uso do infinitivo flexionado, buscando uma explicação para o aparente aumento da flexão. É possível que seja exatamente o aumento na frequência que está influenciando os falantes de tal modo que a não-flexão esteja soando incorreta (Bybee 2006).

Metodologia

O levantamento dos dados será feito a partir de corpora eletrônicos, em que será investigada a freqüência de ocorrência do infinitivo flexionado em diferentes contextos. Visando à análise da norma culta escrita, inicialmente será utilizado o corpus NILC-São Carlos, além de outros trabalhos acadêmicos, teses, dissertações, artigos científicos, jornais e revistas.

A começar pela busca das frequências de ocorrência, o manuseio dos dados será feito com o software livre R, apontado atualmente como o mais completo concordanceador (Gries 2009). O software R tem o diferencial de dar conta de inúmeras etapas das análises dos dados, já que não somente armazena grandes quantidades de textos e possibilita a busca de termos e suas frequências de ocorrência nos corpora, como também permite que sejam feitas as análises estatísticas e os gráficos. Trata-se, portanto, de uma calculadora poderosa, um programa para gráficos estatísticos, um programa de estatística, um ambiente e uma linguagem de programação. Embora muitos o utilizem apenas para fins estatísticos, através do R pode-se, por exemplo, carregar todas as edições de uma determinada revista, formando assim um corpus com milhares de palavras. 

O uso de corpora é, sem dúvida, uma ferramenta essencial dentro do modelo teórico em que este trabalho está sendo proposto. É a partir das buscas em corpora de língua em uso que pode ser observado o que de fato acontece na língua e com que frequência. 

Resultados

O trabalho ainda está na fase inicial de compilação e análise do corpus, não havendo ainda resultados a ser reportados.

Conclusão

Se ficar comprovada a alta frequência de ocorrência da flexão, em especial em contextos facultativos, a questão se torna particularmente interessante quando contrastada com o fato de que, em outros contextos, o português brasileiro está simplificando seu paradigma flexional verbal, preferindo a não-flexão (Duarte  1995).

Se para Cunha & Cintra, “trata-se, pois, de um emprego seletivo, mais do terreno da estilística do que, propriamente, da gramática” (Cunha & Cintra, p. 504), à luz das idéias de Bybee (2006) e de Croft (1995, 2000) a hipótese é a de que pode estar em jogo um exemplo de como o uso molda a gramática de uma língua, ou seja, o aumento na frequência pode estar transformando esse “recurso estilístico” em uma “regra” da gramática.


Palavras-chave: infinitivo flexionado, frequência, mudança.

 

Resumo