sitemap VIII Encontro de Linguística de Corpus
 
 
 

O uso dos verbos modais em manuais de aviação em inglês


Simone Sarmento (PUCRS)


Este trabalho trata do uso dos verbos modais (VM) em manuais de aviação em inglês. Esses manuais são obrigatoriamente redigidos e, consequentemente, lidos em inglês por pilotos e mecânicos de empresas aéreas situadas no mundo todo. O objetivo final deste trabalho é gerar subsídios que permitam elaborar materiais didáticos que apresentem as estruturas linguísticas como aparecem em seu contexto de uso. Os textos dos manuais técnicos determinam um tipo de ação que denotam obrigações, possibilidades e consequências. Os VMs costumam ser usados para expressar essas funções comunicativas, sendo assim, elementos lexicais fundamentais nesse tipo de texto.

Pesquisas na área das linguagens especializadas (Kittredge, 1982; Sager et al.,1980; Trimble, 1985) mostram que os textos técnicos são escritos baseados em certas suposições culturais relacionadas ao tipo e quantidade de informações gramático-retóricas que os redatores acreditam que os leitores compartilhem. Porém, grande parte dos falantes não-nativos de inglês não possuem o background cultural que os habilite a ter essas informações pressupostas de forma a entender os textos técnicos. Nesse sentido, os VMs estão entre os elementos linguísticos que causam maiores dificuldades para falantes não-nativos de inglês.

O estudo utiliza três corpora, pois é através da tripla comparação, que o analista poderá interpretar as ocorrências com maior precisão e definir as especificidades de cada um deles. O corpus de estudo, denominado Aviation Corpus (AC), é composto de três manuais técnicos da aeronave BOEING 737, sendo dois manuais de operações (OM- Operations Manual e QRH- Quick Reference Handbook) destinados a pilotos e um manual de manutenção (MM- Maintenance Manual) destinado a técnicos. O corpus de referência utilizado foi o BNC. O corpus de contraste (OSC- Operational Systems Corpus) é composto de manuais de sistemas operacionais  para computadores pessoais (Linux e Windows Vista).

A pesquisa, que utiliza o WordSmith Tools v.5 (Scott, 1996[2008]) como ferramenta de análise, é realizada em três etapas. Em todas as três etapas foi utilizado o teste Log Likelihood (LL) (Rayson, 2002), para verificar se as diferenças de frequência encontradas são estatisticamente significativas. 

Na primeira etapa é realizado um contraste entre o AC, o BNC e o OSC. Tal contraste objetiva verificar as diferenças de ocorrências entre os VMs e suas estruturas sintáticas, ou seja, se os VMs encontram-se na voz ativa ou na voz passiva. Foi verificado que os dois corpora específicos (AC e OSC) apresentam algumas semelhanças entre si quando comparados ao BNC, como por exemplo, o uso de apenas alguns modais, principalmente can, will e must. Esse fato é provavelmente condicionado pela restrição de propósitos comunicativos dos textos que compõem os corpora específicos. Além disso, os VMs no AC e no OSC aparecem em apenas duas estruturas sintáticas: modal + voz ativa e modal + voz passiva. São sugeridas nove estruturas sintáticas possíveis para os VMs, sendo que sete delas foram encontradas no BNC (Kennedy, 2002). Apesar das semelhanças entre os corpora específicos, foram também encontradas diferenças importantes. No OSC, os modais can e will respondem por 78% do total de tokens modais, enquanto que no AC esses dois modais aparecem com uma frequência de 58% do total de ocorrências modais. Similarmente, o AC apresenta 32,4% de suas ocorrências modais na estrutura modal + voz passiva, enquanto o OSC apresenta apenas 23,13%.

Em uma segunda etapa, são realizadas comparações entre os três manuais (subcorpora) que compõem o corpus de estudo (AC) também com relação às frequências dos modais e suas estruturas sintáticas. Nesse estágio foram encontradas diferenças significativas entre os três subcorpora, sendo o can o mais frequente no MM para técnicos em aeronaves e o may, o mais frequente no OM e no QRH, ambos para pilotos. Quanto às estruturas sintáticas, o MM apresenta 83,51% das ocorrências modais na estrutura modal+voz ativa, o QRH, 49,75% e o OM 55,68%. Ou seja, o manual para mecânicos mostra uma clara preferência pela voz ativa, enquanto o OM prefere a voz passiva.

Na terceira etapa são verificadas as principais colocações de cada VM. A partir desta etapa foram analisados somente dois manuais, o MM e o OM. Foram considerados como colocados os itens lexicais localizados em um horizonte de três casas à direita e três à esquerda, com frequência mínima de quatro ocorrências e valor LL de 6,63 ou maior. A principal diferença entre os dois corpora é a presença marcante do pronome you como o principal colocado à esquerda no MM e a sua total ausência no OM. Quanto aos colocados à direita foi possível notar que alguns verbos se repetem nos dois manuais, como be, cause e result. Isso sugere que os VMs que têm esses verbos como colocados apresentam sentidos semelhantes. Os VMs que se colocam com os verbos cause e occur, não expressam uma mera possibilidade, mas possuem uma prosódia semântica negativa, anunciando uma grave consequência  no caso de uma ação mal realizada ou de um problema no funcionamento da aeronave. Essa característica é mais marcante no MM.

O OM inclui, de forma marcante, as estruturas VM+voz passiva. Nenhum outro corpus pesquisado, específico ou geral, apresenta resultado igual ou semelhante. Observa-se ainda a maior frequência relativa do VM may no OM que é considerado um correspondente mais formal de can para expressar possibilidade. Além disso, há a ausência de you como sujeito dos VMs. Dessa forma, pode-se aventar a hipótese de haver uma tendência a mitigar as instruções e as possibilidades, ou seja, expressões de traços de polidez (Brown e Levinson, 1987), quando os destinatários dos manuais são os pilotos. Acredita-se que, no discurso escrito, a polidez resulta não somente do uso de estratégias individuais no nível da sentença mas, mais precisamente, de um número de atos ilocucionários complexamente expressos em conjunto em um texto (Pilegaard, 1997).   

Os resultados obtidos nesta pesquisa mostram que somente uma abordagem fraseológica pode desvendar a riqueza de detalhes necessária para a melhor compreensão de um item lexical. Nesse sentido, é importante escolher e delimitar o material de ensino de forma que o aluno possa aprender, em menor tempo, a quantidade máxima possível de conhecimentos (Hoffmann, 1998[2007]) necessários para o desempenho de determinada função. Esse minimum de conteúdo necessita conter as ocorrências lexicais e gramaticais mais úteis. Desvendar esse minimum constitui o cerne das pesquisas voltadas ao ensino de ESP.


Palavras-chave: Linguistica de Corpus, Inglês para Aviação, Verbos Modais, Linguagem Especializada


REFERÊNCIAS


Brown, P; Levinson S. C. Politeness. Some universals in language usage. Cambridge: Cambridge University Press, 1987. 

HOFFMANN, L. Possibilidades de aplicação e a aplicação atual de métodos estatísticos na pesquisa de linguagens especializadas (Título Original: anwendungsmöglichkeiten und bisherige Anwengung von Statistischen Methoden in der Fachsprachenforschung, 1998).  Disponível em: Cadernos de Tradução, Porto Alegre, nº 20, janeiro-junho, p. 61-76, 2007

Kennedy, G. D. Variation in the distribution of modal verbs in the British National Corpus. In: Reppen, R.; Fitzmaurice, S.M., Biber, D. Using Corpora to Explore Linguistic Variation. Amsterdan: John Benjamins: 73-91, 2002.

KITTREDGE, r. Variation and Homogeneity of Sublanguages. In: KITTREDGE, r. e Lehrberger, J. Sublanguages: Studies of Language in Restricted Domain. Walter de Gruyer, NY, 1982

PILEGAARD, M. Politeness in written business discourse: a textlinguistic perspective on requests.  Journal of Pragmatics 28:223, 1997.


Rayson, P.  Matrix: A statistical method and software tool for linguistic analysis through corpus comparison. Tese de doutorado. Universidade de Lancaster, 2002

SAGER, J. C.; DUNGWORTH, d.; MCDONALD p.f.. English Special Languages. Principles and Practice in Science and Technology. Wiesbaden, Brandstetter Verlag, 1980.

SCOTT, M. WordSmith Tools. (1996) Oxford: Oxford University Press. Versão 5,  2008.

TRIMBLE, L. English for Science and Technology. A discourse approach. Cambridge: C.U.P., 1985.


 

Resumo